Conferência 80 anos após o Fim da Segunda Guerra Mundial

O texto que se publica serviu de base à participação, a convite[i] do Drº João Oliveira, na sessão que teve lugar no Parlamento Europeu nos dias 11 e 12 de Junho. A pesquisa e reflexão realizada para essa finalidade tiveram que ser resumidas a uma comunicação oral de 15 minutos e que, na versão escrita, se situasse nos 9500 caracteres.

Não à escalada belicista, pela segurança coletiva na Europa

Bom dia,

 A todos, participantes e promotores,  agradeço o privilégio que me é concedido de aqui falar sobre uma temática que é uma urgência do tempo presente, a luta pela Paz.

 Vindo de Portugal, impõe-se referir que celebramos este ano o quinquagésimo primeiro aniversário do início da Revolução dos Cravos, um contributo memorável para a Paz e para uma outra forma de Portugal encarar as relações entre os Povos, Nações e Estados.

Foquemo-nos sobre a guerra na Europa.

É uma evidência que a guerra em curso na Ucrânia opõe os Estados Unidos da América à Rússia e caminhamos para uma evidência que, nas suas múltiplas dimensões (do mais evidente, aumento da despesa em armamento e guerra tarifária), há uma guerra  que opõe os Estados Unidos da América à União Europeia.

Nem a História sugere que os Russos se queiram espalhar de Berlim até Lisboa, nem faz sentido que os estrategas russos olhem para a União Europeia como um território que lhes interesse invadir e anexar.

 Se acolhermos o postulado de que, seja qual for a tecnologia envolvida ganhará o conflito aquele que for mais forte no Sentimento Patriótico somos a concluir que investir em armamento não é solução, é um embuste.

Investir no sentimento de pertença dos Povos à União Europeia seria mais apropriado. Não ultrapassaria a impossibilidade de existência de  sentimento de patriotismo em relação à União Europeia, mas seria um caminho para o reforço do sentimento de pertença à mesma uma vez que a finalidade de tal investimento imporia o abandono da cartilha neoliberal perfilhada por Bruxelas e a adoção de políticas dirigidas à satisfação das necessidades das populações (assistência na saúde, habitação, ensino, regime e condições de trabalho). Falaríamos de uma outra União Europeia, mas as dinâmicas que se observam vão exatamente no sentido oposto.  Compreende-se, o vírus do capitalismo, hoje neoliberalismo, vai-se adaptando para sobreviver.

Quem defende os interesses dos Povos da Europa está obrigado a não ceder e a lutar para que se tomem decisões compatíveis com a preservação do Mundo em que vivemos já que a escalada armamentista incrementa o risco de Guerra Total o que, a acontecer, acabará com a vida humana na Terra.

Somos assim convocados a refletir e rasgar caminhos de futuro para uma  Europa de Paz.

Reconheçamos a Paz como um direito humano.

Reconheçamos que o conhecimento, a ciência e a tecnologia são bens universais e como tal devem estar ao serviço da melhoria das condições de vida de todos os seres humanos.

Reconheçamos que o imperialismo é inimigo da Paz e a sua sobrevivência, no quadro da crise do sistema dominante, depende da promoção da guerra e do fascismo.

 Reconheçamos que a Europa constitui uma realidade geográfica que em muito excede o que hoje é a União Europeia.

 Reconheçamos que a segurança é indivisível.

 Reconheçamos a ineficácia estratégica do recurso ao poder militar para subjugar os Povos que assumem defender a sua condição de povos soberanos.

Reconheçamos que a União Europeia é fortemente prejudicada se continuar a comportar-se como serva e vassala dos Estados Unidos da América.

Reconheçamos que vivemos tempos de resistência a uma ofensiva sem precedentes do capitalismo do crime sistémico e o fascismo de hoje penetra com subtileza na sociedade.

Reconheçamos que a ação de denúncia do que está em marcha e a convocação dos Povos da Europa para a luta multifacetada, coordenada e sintonizada sob o lema Paz sim, Guerra Não constitui fator critico de sucesso para estancar a deriva militarista em curso.

No referencial de reflexão enunciado, recuperemos progressos que a humanidade conseguiu e que foram metidos na gaveta por muitos dos atores políticos que atuam em Bruxelas e nos fora internacionais, com destaque para os atores que veiculam os interesses dos Estados Unidos da América.

Em 30 de abril de 1975, trinta anos depois da derrota dos exércitos nazis, terminava a guerra no Vietname  e, em 1974, finara-se uma das mais velhas ditaduras fascistas na Europa abrindo-se o caminho para a Paz na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.

1975 era ainda o tempo do confronto dos Estados Unidos da América com a União Soviética e a contenção das partes prevalecia na condução desse relacionamento.

Em 1975 houve força para contrariar e conter o militarismo e o imperialismo.

Em 1 de Agosto de 1975 representantes de 35 países (33 da Europa, mais os Estados Unidos da América e o Canadá) concluíam um processo iniciado dois anos antes e subscreveram em Helsínquia, a Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa. Foi um importante passo no caminho da paz e do desarmamento, condições essenciais para a justiça e o progresso social da humanidade.

Da herança de Helsínquia destacam-se a dissolução simultânea do Pacto do Atlântico Norte e do Pacto de Varsóvia e o fim da corrida aos armamentos de todo o tipo. É uma herança que os Estados Unidos da América/OTAN abominam, não acataram e teimam em não acatar, apesar de a terem subscrito.

O Pacto de Varsóvia foi dissolvido no século passado mas a OTAN alarga a sua área de intervenção e inventa inimigos para poder continuar em ação como uma extensão do braço armado dos Estados Unidos da América e com a Europa/OTAN como apêndice e serva.

Com o desmoronar da União Soviética os Estados Unidos da América passaram a dominar a cena internacional e fizeram acompanhar a globalização económica com o “cerco” a Moscovo,  uma operação dos Estados Unidos da América/OTAN para ajudar na concretização da pulverização da Federação Russa e apropriação dos seus imensos recursos.

Os Estados Unidos da América vivem da promoção da guerra e da venda da sua necessidade e o “cerco” a Moscovo foi concomitante com a realização de operações militares numa miríade de destinos, diversidade  de coligações e formatos.

A guerra não precisa apenas de armas e carne para canhão, são-lhe essenciais os pretextos e justificações que vêm dos “especialistas” e equipas de análise financiadas pela União Europeia, pelos Estados Unidos da América e pela indústria de armamento que disso retira lucros assinaláveis. Entre 2020 e 2024, o preço das ações da General Dynamics, da Lockheed Martin e da Northrop Grumman mais do que duplicaram e, há poucos meses e em poucos meses, o valor das ações da Rheinmetall duplicou.

No mundo contemporâneo, as guerras são explicadas em tempo real e as imagens televisivas são acompanhadas por vozesautorizadas vetores de eleição da guerra cognitiva, a guerra na mente e pela mente.

Uns vendem ideias, histórias, análises, opiniões e comentários que visam transformar a opinião pública na opinião publicada. Outros vendem carros de combate, navios, submarinos, aviões e drones, pistolas, espingardas, metralhadoras, canhões, munições, bombas, foguetes e mísseis, as ferramentas da força militar, o “hard power“.

A Guerra, a sua contextualização e análise como algo que é inevitável, entra-nos porta dentro num matraquear hegemonizado pela cartilha militarista em que a solução dos conflitos só é concebível pelo uso da força militar. São horas infindáveis de comentadores e opinadores em que a inevitabilidade e necessidade da guerra predominam, acompanhadas, a maior parte das vezes, de uma ausência de rigor na análise ao que se está a passar no terreno e às suas causas, inviabilizando como perspetivar a sua superação.

Iniciativas e ideias sobre como por fim aos conflitos por meios não militares, não têm, de todo, o espaço mediático que deveriam merecer e comprova-se à saciedade o que alguém desconhecido afirmou, “na guerra a primeira vítima é a verdade“.

De 1975 para cá foram muitos os casos em que o chamado Ocidente agiu contra o que subscreveu em Helsínquia e em 1992 a guerra regressou à Europa e cá continua.

À Federação Russa pode apontar-se a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, mas o rigor impõe que se refira que essa invasão tem muitos antecedentes que, não a justificando plenamente, podem explicá-la como um ato de legítima defesa.

Retornemos à Ata de Helsínquia.

Os princípios, que Helsínquia consagrou são o mais sólido caminho para o futuro da humanidade. O seu respeito teria poupado milhões de vidas.

A Ata impõe que sejamos intransigentes na defesa da solução pacífica dos conflitos internacionais e defendamos uma ordem internacional capaz de recusar as agressões armadas e assegurar: a paz e a justiça nas relações entre os Povos e os Estados, o direito à liberdade e autodeterminação dos Povos vítimas de opressão e colonização,  e afirmar bem alto o valor universal de amizade entre todos os povos do mundo.

Nos últimos anos, os dirigentes do Reino Unido e da União Europeia, incluindo o Parlamento Europeu, são responsáveis  e persistem na degradação das relações com a Rússia para um ambiente de animosidade e desconfiança que supera os tempos da Guerra Fria.

 Nessa degradação tem destaque o papel do Parlamento Europeu ao  desconsiderar que não foi a Rússia que inventou o nazismo, mas a ela se deve a sua derrota.

 O mal está feito e os malefícios emergentes de tal comportamento, levarão décadas a superar com as inevitáveis consequências para a vida dos Povos da Europa.

Não se reconhecem interesses legítimos da União Europeia que estejam a ser  postos em causa pela Federação Russa e é inadmissível que a União Europeia entenda que se defendem os interesses dos Povos apontando-lhes o caminho da destruição e da morte sabendo que esse é o caminho onde desagua a escalada belicista.

Uma escalada belicista que encurta perigosamente a distância de segurança para o deflagrar do holocausto nuclear onde não haverá kits de emergência para sobreviver. Todos sairão vencidos. O mundo continuará a existir, mas a humanidade corre o sério risco de fazer haraquíri.

Uma escalada belicista cujo custo será pago pelos trabalhadores da União Europeia que verão o que resta do estado social dos seus países ser emagrecido a título de implementação de reformas estruturais.

Uma escalada belicista cujos proventos reverterão no essencial para o Complexo Militar Industrial dos Estados Unidos da América e, ironicamente, ditará constrangimentos insuperáveis à liberdade de ação da União Europeia na utilização do que comprar.

Na União Europeia, falta bom senso aos dirigentes políticos para lidar com a Federação Russa. É urgente substituí-los.

O bom senso sugere que não se desconsidere que a insegurança do meu vizinho contribuirá seguramente para a minha insegurança, mas a segurança do meu vizinho pode contribuir para a minha segurança.

Impõe-se analisar a situação na Europa com base no reconhecimento de que a todos os vizinhos assiste o direito de pretenderem sentir-se seguros e que a escalada armamentista só contribui para nos aproximar do precipício.

A defesa dos interesses dos Povos da União Europeia exige outra política externa mais conforme com a nova realidade mas, vivemos sob a “canga” dos Estados Unidos da América/OTAN e o que os Estados Unidos da América entendem e entenderem ainda prevalece. Por quanto tempo? É pergunta sem resposta, mas que não nos demove de fazer o que tem de ser feito. Não nos cansemos de exigir, Paz sim, Guerra, não!

A Força da Razão tem que ganhar à “razão” da força.

A apropriação dos resultados do trabalho por uma cada vez menor percentagem de cidadãos continuará a agudizar as tensões na sociedade, em particular nos países ditos mais desenvolvidos, e a promoção da guerra como instrumento de superação dessas tensões confronta-nos com a imprescindibilidade de uma contínua luta pela Paz.

Os Povos da Europa do Sul têm razões para serem o motor da contestação à situação atual e atraírem os Povos dos restantes Países a uma ação concertada de luta e exigência junto dos seus Governos para que o Conselho e a Comissão mudem de rumo e a defesa da Paz seja assumida como a questão central do nosso tempo.

O Conselho e a Comissão estão confrontados com as consequências de anos e anos de subserviência ao “amigo” Americano  e caminham a passos largos para o confronto com a Federação Russa o que só poderá acarretar um grau de destruição e mortandade que rapidamente excederá os patamares registados no conflito que se travou na Europa entre 1939 e 1945.

A União Europeia exalta-se com a situação na Ucrânia mas é cúmplice de  Israel e observa sem sobressalto o genocídio em Gaza.

 Por este tempo, o rufar dos tambores da guerra todos os dias ganha mais força e o mundo neoliberal parece ter ensandecido na ânsia de agudizar/escalar a conflitualidade colocando a humanidade no limiar da sua auto destruição.

A evolução pacífica da humanidade e a defesa da nossa casa comum está nas mãos dos cidadãos do mundo.

É urgente falar de iniciativas para a Paz!

É urgente recusar a Guerra!

É preciso avisar toda a gente!

Paz sim, Guerra não!

Jorge Aires

Bruxelas, 12 de junho de 2025

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[1] Exmo. Major-General Jorge Aires 

As delegações do Partido dos Trabalhadores da Bélgica, do Partido Progressista do Povo Trabalhador – AKEL, de Chipre, do Movimento SUMAR, de Espanha, do SYRIZA, da Grécia, do Movimento Cinco Estrelas, de Itália, e do Partido Comunista Português, estão a organizar um seminário, no âmbito do Grupo da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica – A Esquerda no Parlamento Europeu, subordinado ao tema “80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial: Construir a paz e a segurança colectiva”.

A iniciativa terá lugar no Parlamento Europeu, em Bruxelas, nos dias 11 e 12 de Junho.

O primeiro dia contará com dois painéis, no período compreendido entre as 16h30 e as 19h. O primeiro painel subordinado ao tema ‘No 80º aniversário da Vitória que a barbárie do fascismo e da guerra nunca mais aconteça’ e o segundo painel subordinado ao tema ‘A importância da luta pelo desarmamento e pela paz’. O segundo dia contará novamente com dois painéis, no período entre as 9h30 e as 12h30. O terceiro painel subordinado ao tema ‘Não à escalada belicista pela segurança colectiva na Europa’ e o quarto painel subordinado ao tema ‘Direitos! Nada de canhões! Mais dinheiro para direitos e progresso social, não para armamento e guerras’.

Gostaríamos de o convidar a participar neste seminário, nomeadamente com uma intervenção de 15 minutos no terceiro painel do dia 12 de junho com uma intervenção alusiva ao tema a que o painel está subordinado: ‘Não à escalada belicista pela segurança colectiva na Europa’. 

No ano em que se assinalam os 80 anos após a vitória antifascista e o fim da Segunda Guerra Mundial, a Humanidade enfrenta a grave ameaça de um conflito de proporções catastróficas, na era nuclear, que poderá colocar o seu futuro em risco.

A incessante expansão da NATO, a crescente militarização da UE, a espiral da corrida aos armamentos, o incitamento à tensão e ao confronto nas relações internacionais, a imposição de ingerências, sanções e bloqueios, a militarização das relações comerciais, a escalada belicista, o desrespeito pelos acordos e a obstrução às iniciativas diplomáticas para encontrar soluções políticas para os conflitos – aumentam o perigo de uma nova guerra de grandes proporções.

Tendo em vista a próxima Cimeira da NATO, nos dias 24 e 25 de Junho de 2025, a iniciativa visa combater a lógica de blocos e a narrativa militarista promovida pela UE e pela NATO, criando espaço para o diálogo com vista à paz e propondo uma alternativa progressista focada na redução da tensão, na segurança e cooperação colectivas, na paz e no desarmamento, à luz da Acta Final da Conferência de Helsínquia de 1975 e dos princípios da Carta das Nações Unidas. Com isto, pretendemos abrir o caminho para o desenvolvimento económico e social, caracterizado, entre outros importantes aspectos, pelo aumento das despesas sociais, dos direitos dos trabalhadores, da segurança energética e de um ambiente sustentável.

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