Cinquentenário da Tomada de Posse da Assembleia Constituinte
2 de Junho de 2025 – Junta de Freguesia do Bonfim
Intervenção de abertura de Jorge Sarabando, Vice-presidente da ACR
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Começo por saudar todos os que, com a sua presença, quiseram associar-se a este acto comemorativo da tomada de posse da Assembleia Constituinte e de evocação do Marechal Francisco da Costa Gomes, Presidente da República de 1974 a 1976.
Igualmente saúdo as delegações da Associação de Oficiais das Forças Armadas, da Associação Nacional de Sargentos e do Museu Militar do Porto, que muito nos honram com a sua participação.
Agradeço, em nome do Núcleo do Porto da Associação Conquistas da Revolução, à Junta de Freguesia do Bonfim a cedência das suas instalações.
A nossa Associação vive para defender e valorizar as conquistas da Revolução de Abril e a nossa Constituição é bem uma dessas conquistas, uma das mais valiosas, que importa assinalar pelo seu conteúdo, significado e projecção no
futuro.
Umas breves palavras se justificam sobre a iniciativa desta sessão.
Em muito se distingue a nossa Constituição.
Desde logo na sua génese. Não nasceu no segredo dos gabinetes, elaborada por sapientes juristas, sob regência de um pretenso salvador da Pátria, sustentado na força das armas, como aconteceu com a Constituição de 1933.
Viria depois a ser aprovada em referendo, onde as abstenções contaram como votos favoráveis, e assim seria instituído o Estado Novo, designação eufemísticada ditadura fascista.
A Constituição actual nasceu de um firme compromisso inscrito no Programa do MFA, o de eleger uma Assembleia Constituinte no prazo de um ano, e assim aconteceu. A eleição realizou-se em 25 de Abril de 1975, com o sufrágio
universal, livre, directo, igual dos portugueses. Onde antes o voto era restrito e condicionado, o recenseamento voluntário, as fraudes prática comum, a censura um instrumento eficaz, deste vez formaram-se longas filas para votar e a eleição teve a mais alta participação de sempre, cerca de 92%, com 7% dos votos em branco.
A Constituição nasceu da Revolução de Abril, com o povo em movimento. Num período, curto mas fértil e criativo, foi o povo sujeito da História.
Tal era a sua força, fundada na razão e na justiça, numa resistência, tantas vezes heroica, enfrentando a violência da ditadura ao longo de 48 anos, que muitas das leis determinadas pelos Governos Provisórios tiveram consagração
constitucional. Lembremos o Salário Mínimo Nacional, os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, os direitos e deveres económicos, sociais e culturais, a Reforma Agrária, ou a criação do Provedor de Justiça.
Certamente por isso, numa prodigiosa singularidade, enquanto nas ruas decorriam multitudinárias manifestações de sinal contrário, fortemente polarizadas e com grande carga de dramatismo, os artigos da Constituição iam sendo aprovados na Assembleia de forma unânime ou por expressiva maioria.
Os sectores políticos de direita, associados aos grupos económicos dominantes, previam os riscos da eleição prioritária de uma Assembleia Constituinte, como acto fundador e legitimador do novo Regime. Tentaram por isso, por duas vezes de forma declarada, adiar as eleições constituintes, procurando antecedê-las pela eleição directa do Presidente da República, que seria, presumivelmente, o General António de Spínola, a exercer transitoriamente tais funções. Primeira, com o mal sucedido Golpe Palma Carlos, logo vencido em Conselho de Ministros e depois no Conselho de Estado; a segunda com o falhado golpe militar de 11 de Março, como constava do Manifesto que Spínola não teve tempo de ler ao País, por se ter posto em fuga para Espanha.
A História não se repete mas, vendo bem, a direita apoiada pelos interesses económicos dominantes procurou consolidar o seu poder através do caudilhismo, a escolha de um homem forte para exercer o poder. Promovia a
desordem com uma das mãos e com a outra, de asas brancas e espada justiceira, aparecia a exigir ordem. Desacreditava a política e os políticos em geral, para incensar alguns e depois escolher um deles como homem
providencial.
Assim aconteceu em Portugal com Sidónio do Pais, saído de um golpe militar em Dezembro de 1917, com a sua eleição directa em Abril de 1918, e com Carmona, afastados Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa, chefes do golpe 28 de Maio, com a sua eleição directa em Março de 1928. Eleições directas, mas sem opositores, convocadas para apagar a origem golpista em plena República e deste modo se legitimarem.
Assim aconteceria com o General Spínola que, nos meses seguintes ao 25 de Abril, percorria o País entre comícios e paradas militares, com o discurso do “caos”, da “terra queimada”, dos “falsos portugueses” e da urgente reposição da ordem e salvação da Pátria. Não lhe foi possível consumar o seu projecto, e dos conspiradores que o rodeavam, pois teve de enfrentar o movimento popular e a unidade das forças democráticas, onde surgiam os primeiros traços de fractura, e os militares do MFA, então ainda coesos em torno da sua Comissão Coordenadora. O caudilhismo fora útil, na Europa dos anos 20 e 30, para credibilizar os regimes autoritários em ascensão. Mas os tempos eram outros. O caudilhismo estava condenado ao fracasso, a democracia, a paz e o progresso social eram aspirações profundas do povo português.
Os sectores mais enfeudados aos grandes interesses privados não se conformaram com a nova Constituição, com o seu conteúdo emancipador e progressista, visível nos artigos que iam sendo aprovados. Não se limitava a definir princípios gerais, direitos, liberdades e garantias pessoais e o funcionamento e competências dos órgãos de soberania. Identificava e determinava direitos e deveres económicos, sociais, culturais. Não estabelecia um Estado minimalista, com os seus poderes coercivos, mas um Estado com funções sociais de que é garante. Constituição “programática”, criticavam, e ainda hoje criticam, tais sectores.
Esperançados nos ventos favoráveis resultantes do 25 de Novembro, tentaram ainda reverter o rumo dos acontecimentos e evitar que a nova Constituição, em fase final de elaboração, entrasse em vigor. A Direcção do então PPD, embora sem consulta ao Grupo Parlamentar, segundo o Prof. Jorge Miranda, propôs a realização de um Referendo e que, em caso de rejeição, ”continuassem em vigor as leis constitucionais actualmente em vigor, tendo o Parlamento a eleger até 25 de Abril de 1976 poderes constituintes”. Terá sido o quadro político instável e movediço que levou o Presidente da República, General Francisco da Costa Gomes, a decidir promulgar a Constituição no momento seguinte à sua aprovação, e para isso se deslocou no próprio dia à Assembleia Constituinte. A votação foi concludente: dos 250 deputados, 234 votaram a favor, do PS, PPD,PCP,MDP,UDP e deputado por Macau, e apenas 16, todos do CDS, votaram contra.
Quando decidimos comemorar os 50 anos da tomada de posse da Assembleia Constituinte, logo entendemos ser indispensável, como acto de justiça, evocar o General Costa Gomes. Como Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, membro da Junta de Salvação Nacional, Presidente do Conselho da Revolução e Presidente da República, a sua acção foi determinante para enfrentar os golpes contra-revolucionários e para que os compromissos do Programa do MFA, designadamente sobre a Constituição, fossem por inteiro cumpridos.
É justo recordar que, já depois de ter deixado funções oficiais, foi um incansável lutador pelas causa da paz, integrado no CPPC e no Conselho Mundial da Paz, tendo sido distinguido pela ONU:
E ainda por uma outra razão, pelo seu perfil de chefe militar, de cidadão, de democrata e de patriota, pela sua intervenção na luta contra a ditadura e na construção do regime democrático, em momentos decisivos, merecia outro reconhecimento. Costa Gomes, como militar de Abril, tem sido raramente lembrado nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. É preciso fazer um caminho. Por isso aqui estamos.
Passo a apresentar os intervenientes na sessão, presentes na Mesa:
– Dr. Pedro Baranita, Magistrado do Ministério Público jubilado, que nos falará da versão original da Constituição;
– Dra. Maria José Gomes Teles Grilo, professora, sobrinha de Costa Gomes;
– Coronel Manuel Lopes e Comandante Silveira Pinheiro, que desempenharam funções de Ajudantes de campo do General Costa Gomes;
– Almirante Martins Guerreiro, que exerceu funções de grande proximidade,
designadamente no Conselho da Revolução;
– Major-general Jorge Aires, Presidente da ACR, que encerrará a sessão.
Duas palavras finais, ainda:
A nossa Constituição teve sete revisões que, em parte, a descaracterizaram e amputaram, tanto nos planos económico e social, como no plano da soberania.
Poucas melhorias e muitas regressões. Mas é ainda a Constituição de Abril, que urge defender e cumprir.
Desde as últimas eleições, as forças políticas à direita apressaram-se a exigir nova revisão constitucional. Algumas propostas já divulgadas, a irem por diante, significariam uma alteração de Regime. A democracia nascida em Abril poderá ser posta em causa. O povo português encontrará, decerto, a resposta necessária.
As iniciativas realizadas evocativas da Revolução de Abril não são, como poderiam parecer, romagens de saudade. Porque não há futuro sem memória, antes procuram elementos de reflexão que nos ajudem a compreender o tempo presente e a preparar o tempo futuro. E, também, pela busca incessante da verdade histórica, necessária perante um discurso ainda dominante, que omite e desvirtua factos, sobre o processo revolucionário e democrático nascido em 25 de Abril. Para essa luta aqui estamos. Porque, sabemos, a história não cabe em gavetas fechadas, nunca acaba, todos os dias recomeça e se renova.
Jorge Sarabando

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